O Instituto Práxis de Educação e Cultura (IPRA) da cidade de Franca, interior de São Paulo, com patrocínio do Ministério da Cultura através do Edital de Pontos de Mídias Livres, realiza desde 2011, o projeto “Memórias da Resistência” com o objetivo de dar visibilidade a documentos inéditos sobre o Regime Militar do Brasil resgatando a memória do Golpe de 64 e dos anos que lhe sucederam marcados pelo cerceamento das liberdades individuais e pela violência material e simbólica contra a sociedade brasileira.
O “Memórias da Resistência” está produzindo um vídeo sobre as histórias presentes nos documentos que, em 2007, foram encontrados, no interior de São Paulo, em uma casa abandonada no meio de um canavial. Os documentos pertenciam ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e compreendem, entre outros, 110 fichas de perseguidos políticos e um Manual de Subversão e Contra-subversão.
O vídeo contará algumas das histórias que estavam esquecidas em meio aos documentos, a exemplo do processo 114/69 relacionado às Forças Armadas de Libertação Nacional de Ribeirão Preto-SP e da invasão policial ao Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo (Crusp), em 1968. A partir do material encontrado, de pesquisas em arquivos públicos e de entrevistas com pessoas que viveram o Golpe de 64, o filme constrói um riquíssimo e emocionante panorama histórico do Regime Militar brasileiro.
Além do vídeo, o “Memórias da Resistência” mantém portal na Internet para fomentar as discussões sobre a importância do resgate da memória nacional, sobretudo no que se refere à ditadura militar; publica boletins bimestrais sobre o trabalho de realização do filme; e lançará um livro que também pretende trazer detalhes ainda desconhecidos sobre o regime ditatorial.
A história dos documentos
2007. Jaborandi, interior de São Paulo. Cleiton Oliveira, ex-cortador de cana e então estudante de História nas Faculdades Integradas de Bebedouro-SP (Fafibe), encontra em uma casa abandonada, no meio de um canavial, documentos que pareciam ser relacionados à ditadura militar do Brasil.
Intrigado, Oliveira mostrou sua descoberta a um de seus professores, Tito Bellini, coordenador do Instituto Práxis de Educação e Cultura (IPRA) de Franca-SP. Ao constatar a importância histórica do material, Bellini fez uma trabalhosa digitalização e entregou ao Arquivo Público do Estado de São Paulo que, após análise, atestou o caráter inédito dos documentos.
Até então, o órgão possuía mais de 150 mil fichas pertencentes apenas ao Departamento de Ordem Social (DOS), já as novas informações são referentes ao Departamento de Ordem Política (DOP), do DOPS. Ao todo são 110 fichas de perseguidos políticos, além de envelopes, processos da corregedoria da Polícia Civil, panfletos de movimentos estudantis e um Manual de Subversão e Contra-subversão. O montante digitalizado atinge cerca de 1.200 arquivos.
Hoje, sabe-se que o canavial onde o material foi encontrado fazia parte de uma fazenda que pertenceu a um antigo delegado do DOPS o que confirma a prática de ocultação de documentos por parte dos poderosos ligados à ditadura militar.
Lançamento
Depois de mais de 20 entrevistas, num total de 22 horas de gravação, e intensa pesquisa histórica, o documentário “Memórias da Resistência” está em fase de edição e tem seu lançamento previsto para abril de 2013.
07/12/2012
ISTOÉ teve acesso a arquivos que foram escondidos por delegado do Dops. Os papéis abrem uma nova linha de investigação para a Comissão da Verdade e mostram como agentes da repressão tentaram sumir com provas dos Anos de Chumbo
Rodrigo Cardoso

Cena 1: “Olhávamos, ainda, a noite pela janela quando ouvimos o barulho longe dos tanques que se aproximavam. Esperávamos o pior desde a publicação do AI-5, quatro dias antes. O 17 de dezembro de 1968 foi assim para mim. Eu morava no 209-A. As paredes estavam forradas de fotos do Che Guevara, em algumas, como um galã de Hollywood, de calça jeans, sem camisa, fumando Havanas, quando dois policiais entraram. Numa moldura bonita, presente do meu irmão, havia uma foto do meu ídolo na sua pose clássica, aquela com estrelinha na frente da boina. Um dos policiais foi objetivo, pegou o quadro da parede e falou: ‘Este merece ser levado.’ Num instante o quadro já estava em minhas mãos. Eu disse: ‘Esse não.’ E, já com o quadro no chão, eu pisoteava o pobre Che, como uma possessa, enquanto me desculpava em voz alta com ele: ‘Desculpe, Che, mas não vou deixar que eles te levem.’”
Esse é o início do depoimento da aposentada paulista Rute Maria Bevilaqua, 66 anos. Em 1968, aos 22 anos, ela cursava física e morava em um dos apartamentos do Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo (Crusp), quando ele foi tomado por agentes da ditadura da polícia e do Exército à caça de comunistas.

HISTÓRIA
Torturado e preso nos Anos de Chumbo, o professor universitário Djalma de Carvalho, 63 anos, reencontrou seu passado nos documentos achados na fazenda do delegado Machado

Cena 2: “A caminho do presídio em um ônibus, um policial, ao lado da porta do motorista, portava uma arma de cano longo e olhava pra gente. Quando o ônibus ia entrar na rua Rego Freitas, na esquina com a Consolação, eu joguei para fora um livro com um bilhete na primeira página. Nele, eu dava dois números de telefone, explicava que estávamos sendo todos presos, ‘centenas de pessoas’, e pedia que quem pegasse o livro, por favor, avisasse meus pais. Imagine o tamanho da idiotice e das consequências: meus pais eram comunistas com várias passagens pelo Dops (o extinto e temido Departamento de Ordem Política e Social). Naquele dia, o mais comprido da minha vida, mais emoções nos esperavam.”
Rute estava entre os 800 estudantes presos por autoridades do governo no Crusp, um centro de mobilização de jovens contra a repressão do governo militar da época. Nesse episódio que marcou a história da maior universidade brasileira, tropas do Exército e tanques evacuaram o prédio e portas de apartamentos foram abertas a pontapés enquanto soldados ficavam de tocaia entre galhos de árvores. Fichada pela Delegacia Especializada de Ordem Política, Rute foi acusada de “transportar lajotas e ‘molotov’ na invasão do Crusp”. Assim está escrito nos registros dela que ISTOÉ revela com exclusividade. A ficha não estava nos arquivos do Dops que foram liberados para consulta pública em 1994. O documento não tinha vindo a público até hoje porque o ex-delegado do Dops Tácito Pinheiro Machado o escondeu por décadas em sua residência.

INVASÃO
Filha de comunistas, Rute Maria Bevilaqua, 66 anos, foi um dos 800 estudantes presos por autoridades do governo no Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo (Crusp)

A ficha de Rute foi encontrada por acaso por um ex-cortador de cana em uma casa abandonada no meio de uma fazenda que pertenceu a Machado, em Jaborandi, interior de São Paulo. No total, foram descobertas ali 110 fichas de pessoas tachadas de subversivas. E mais: boletins culturais censurados, um manual de subversão e contrassubversão que ensinava policiais a identificar os comunistas e envelopes classificados como “secreto”, “confidencial” e “reservado” de ministérios, embaixadas, universidades e igrejas enviadas a um outro delegado do Dops, Alcides Cintra Bueno. Todo esse material – que ainda não foi colocado à disposição para consulta porque vem passando por uma espécie de restauro feito pelo Arquivo Público de São Paulo, para onde ele fora enviado após ser encontrado em 2007 – foi compilado minuciosamente em um livro, “Memórias da Resistência” (Compacta Gráfica e Editora), cujo lançamento está previsto para sábado 8 na cidade paulista de Franca.
Sua publicação, além de trazer à luz um material inédito, mostra que agentes da repressão tentaram sumir com provas sobre os Anos de Chumbo. A ocultação em ambiente privado de documentos produzidos em órgãos públicos do regime militar era o modus operandi entre as autoridades e estabelece uma nova linha de investigação para a Comissão da Verdade. “Essa documentação encontrada na fazenda em Jaborandi abriu um precedente para se averiguar se há outros materiais espalhados por aí que não chegaram até nós”, afirma a historiadora Rafaela Leuchtenberg, diretora do Fundo Dops do Arquivo Público, para onde foram recolhidas em 1991 todas as informações produzidas pelo Dops que se encontravam em posse da Polícia Federal. “Não tínhamos no acervo fichários da delegacia de ordem política, como as achadas em Jaborandi, mas apenas da delegacia de ordem social.” Esse caso precipitou uma recomendação feita pelo Ministério Público Federal à Secretaria de Segurança Pública de São Paulo para que toda a documentação produzida nas delegacias do Estado na ditadura militar (1964-1985) fosse enviada ao Arquivo Público.

RESGATE
Buscas na fazenda do delegado do Dops Tácito Machado, em Jaborandi, onde um ex-cortador de cana encontrou centenas de documentos da repressão

Com isso, desde as fichas encontradas em Jaborandi, agora reveladas por ISTOÉ, outros três conjuntos de materiais chegaram ao órgão. Dois são emblemáticos. De Santos, em 2010, vieram 11,6 mil prontuários e aproximadamente 40 mil fichas produzidas por uma sucursal do Dops que atuava no litoral paulista. E em maio, 14 pacotes de documentos chegaram da cidade paulista de Apiaí. Um delegado da região havia retirado o montante da delegacia e levado para casa. Com a morte dele, sua viúva resolveu entregar o acervo para a polícia. O Arquivo ainda averigua o conteúdo das descobertas. Em Porto Alegre, em um caso semelhante registrado no fim do mês passado, 200 páginas de documentos entregues à polícia gaúcha pela família de um coronel da reserva do Exército assassinado comprovaram que o ex-deputado federal Rubens Paiva, desaparecido há 41 anos, foi sequestrado por militares e levado para o Destacamento de Operações e Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), no Rio de Janeiro, em 1971.
A papelada revela, ainda, uma estratégia dos militares para acobertar o envolvimento deles no atentado do Riocentro, em 1981. Na ocasião, uma bomba explodiu dentro de um carro estacionado naquele centro de convenções, onde aconteceria um show em comemoração ao Dia do Trabalhador, matando um agente do DOI-Codi e ferindo outro. Todos esses casos possibilitaram uma nova linha de investigação para a Comissão Nacional da Verdade (CNV), criada para apurar graves violações de direitos humanos praticadas por agentes públicos entre 1946 e 1988. “Faço um convite aos brasileiros e brasileiras que tenham em suas casas arquivos particulares: os entreguem”, afirma o ex-procurador-geral da República Claudio Fonteles, coordenador da CNV, após o recolhimento do material na casa do coronel do Exército em Porto Alegre. “É um processo de reconstrução do seu país. Não precisa nem se identificar; basta telefonar e dizer que tem um documento.”

VIOLÊNCIA
O aposentado Edson José de Senne foi preso e torturado aos 32 anos, em 1969, porque recebia o jornal

O escritório paulista da CNV, segundo o seu coordenador Ivan Seixas, está prestes a formalizar a descoberta dos documentos na fazenda do ex-delegado Machado, em Jaborandi, e a requerer diligências para apurar os fatos. “O porquê de essa papelada ter ido parar lá ainda é um nó a ser desfeito”, afirma o historiador Tito Bellini, professor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (Uftm) e um dos organizadores do “Memórias da Resistência”. Além da aposentada Rute, do Crusp – ela não foi vítima de violência ao ser presa na universidade e nega as acusações que constam em sua ficha –, ISTOÉ conversou com outros dois brasileiros cujas fichas também estavam apodrecendo na propriedade de Machado, um policial falecido em 2005, aos 79 anos. Ele figura na categoria repressores e é citado em 27 processos do projeto “Brasil Nunca Mais”, trabalho encabeçado por um grupo de religiosos e advogados que coletaram cópias de processos políticos que tramitaram pela Justiça Militar entre 1964 e 1979 para obter informações e evidências das violações cometidas pelo regime militar.
Tanto o aposentado paulista Edson José de Senne, 75 anos, quanto o professor universitário Djalma de Carvalho, 63 – ligados às Forças Armadas da Libertação Nacional (Faln), de Ribeirão Preto, provavelmente a única organização clandestina do Brasil que não se formou a partir das capitais –, foram torturados ao serem presos naqueles anos de chumbo. Nenhum, porém, teve contato ou sequer ouviu falar de Machado. Trata-se de um agente cujas ações são pouco conhecidas inclusive pela CNV, provavelmente por ele ter sido mais ligado à burocracia dos órgãos repressores. “Meu pai sabia, evidentemente, todos sabiam das torturas. Pau de arara era comum em delegacias até para bandidinhos”, diz o filho do delegado Machado, do Dops, o também delegado Raul Pinheiro Machado, que mora em São José do Rio Preto, interior de São Paulo. “Mas ele nunca torturou ninguém, pelo contrário, até livrou a barra de comunistas amigos.”

REENCONTRO
Beatriz Paiva mostra parte dos documentos sobre seu pai, Rubens Paiva, desaparecido em 1971, encontrados em Porto Alegre

Em 1991, segundo Raul, ao abrir um baú na casa de veraneio da família, em Jaborandi, ele se deparou com documentos timbrados de órgãos da polícia paulista, mas achou que a papelada não tinha valor. Certo dia, porém, seu pai o chamou para uma conversa: “Filho, muitos documentos (produzidos pelo governo militar) deveriam ser queimados porque podem comprometer pessoas que, hoje, estão aí se tornando notórios.” Raul, assim ele conta, teria dito a Machado: “Pai, acho que nada deve ser queimado. Isso é história, tem de ser mostrado às pessoas”. Pai e filho nunca mais tocaram nesse assunto. Dentro do baú, encontrado em 2007, há fragmentos de histórias como a do professor universitário Djalma de Carvalho, quatro filhas e três netos, morador de Paranaíba, em Mato Grosso.
Carvalho era militante da Faln e do Movimento de Libertação Popular (Molipo) e foi preso duas vezes entre os anos 60 e 70. “Na primeira me estouraram todo. Palmatória, chutes, me atiravam com as costas contra a parede... Na segunda, trouxeram um companheiro em carne viva, inteiro ensanguentado, unhas arrancadas, com a cara toda deformada. Eles o enrolaram em um pano, o colocaram na máquina de choque, ligaram fios na língua e nas orelhas dele e mandaram eu torturá-lo”, relembra Carvalho, que na Molipo escondia perseguidos políticos e os ajudava a sair do Brasil. “Claro que não fiz isso. Eu o encontrei anos depois, nos abraçamos e choramos muito. Tínhamos passado pelo ventre da besta e sobrevivido.”
O aposentado Senne, de Ribeirão Preto, também é outro sobrevivente cuja parte da memória estava se apagando no fundo do baú da família Machado. Foi preso aos 32 anos, em 1969, porque recebia o jornal “O Berro”, o veículo de comunicação das Faln. “Fiquei dois dias preso. Recebi tortura violenta. Não conseguia escrever lá na delegacia, meus dedos sangravam de tanto choque”, conta ele, que tem problemas de audição causados por um tapa na orelha que recebeu nos porões da ditadura. “Nunca contei para o meu pai as torturas que sofri. Queria poupá-lo.”
Cena final: Mês passado, no Crusp da cidade universitária, a aposentada Rute entra novamente no apartamento 209-A quase 45 anos depois de ser retirada de lá à força. Depois de fotografar para esta reportagem, lembrou de quando debruçava a cabeça na janela para paquerar os alunos que caminhavam lá embaixo. Recordou também de quando, ainda criança, rezava baixinho para que o pai, um ativista do Partido Comunista Brasileiro (PCB) com sete prisões na biografia, deixasse de ser comunista. Memórias de um tempo triste e feliz ao mesmo tempo, que não podem ficar sepultadas em nenhum baú particular. Para o bem do País.


Fotos: Rafael Hupsel/Agência Istoé
Rodrigo Cardoso
04/12/2012
O livro “Memórias da Resistência”, organizado pelos autores Marco Antônio Escrivão, Pedro Russo e Tito Flávio Bellini, publicado pela Editora Outras Expressões, vai ser lançado dia 8 de dezembro, sábado, às 20h, no Teatro de Bolso Orlando Dompieri, em Franca, ao lado do Teatro Municipal.
A obra apresenta ao público uma coletânea de textos de autores e coletivos políticos ligados diretamente ao projeto "Memórias da Resistência" ou ao estudo do período da ditadura civil-militar brasileira. Além dos textos, uma das partes do livro apresenta os entrevistados para o documentário do projeto, que está em fase de finalização e será lançado no início de 2013.
Projeto “Memórias da Resistência”
O Instituto Práxis de Educação e Cultura - IPRA da cidade de Franca, interior de São Paulo, com patrocínio do Ministério da Cultura através do Edital de Pontos de Mídias Livres, realiza desde 2011, o projeto “Memórias da Resistência”. O objetivo é dar visibilidade a documentos inéditos sobre o Regime Militar do Brasil resgatando a memória do Golpe de 64 e dos anos seguintes.
O “Memórias da Resistência” está produzindo um documentário sobre histórias presentes em documentos encontrados em 2007 no interior de São Paulo. Eles estavam em uma casa abandonada no meio de um canavial.
Em 2011, com a liberação dos recursos pelo Ministério da Cultura, a pesquisa também foi registrada junto à Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, assegurando o andamento do projeto com participação na coordenação do professor Tito Flávio Bellini, do curso de História da UFTM, além de uma equipe permanente composta por Pedro Russo (produtor), Marco Antônio Visconte Escrivão (diretor de audiovisual), Leonardo Stockler (assistente de pesquisa), Aretha Amorim Bellini (assistente de pesquisa), e Tony Rocha (diretor financeiro).
A história dos documentos
Cleiton Oliveira, ex-cortador de cana e então estudante de História nas Faculdades Integradas de Bebedouro-SP - Fafibe, encontrou em Jaborandi, uma casa abandonada, no meio de um canavial. No local, havia documentos que pareciam ter relação com a ditadura militar do Brasil.
Intrigado, Oliveira mostrou sua descoberta a um de seus professores, Tito Bellini, coordenador IPRA. Ao constatar a importância histórica do material, Bellini fez uma trabalhosa digitalização e entregou em 2009 ao Arquivo Público do Estado de São Paulo que, após análise, atestou o caráter inédito dos documentos.
Até então, o órgão possuía mais de 150 mil fichas pertencentes apenas ao Departamento de Ordem Social - DOS, já as novas informações são referentes ao Departamento de Ordem Política - DOP, do DOPS. Ao todo são 110 fichas de perseguidos políticos, além de envelopes, processos da corregedoria da Polícia Civil, panfletos de movimentos estudantis e um Manual de Subversão e Contra-subversão. O montante digitalizado atinge cerca de 1.200 arquivos.
Hoje, sabe-se que o canavial onde o material foi encontrado fazia parte de uma fazenda que pertenceu a um antigo delegado do DOPS, Tácito Pinheiro Machado.
O livro
Outra parte importante do livro é a publicação de parte do acervo digitalizado entre 2007 e 2009, vindo ao grande público pela primeira vez desde a descoberta dos documentos ocorreu: fotos das buscas, fichas, boletins, envelopes e parte do Manual "A subversão e a contra subversão", da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, além de outros documentos.
O livro foi publicado pelo selo Outras Expressões, ligado à editora Expressão Popular, e será comercializado pelo valor estimado de R$ 15,00.
29/07/2012
DE RIBEIRÃO PRETO
Casos como o da madre Maurina Borges da Silveira e o da enfermeira Áurea Moretti --uma das principais líderes da Faln (Forças Armadas de Libertação Nacional), presa em outubro de 1969 e torturada na prisão-- tiveram grande repercussão.
Mas não foram as únicas violações aos direitos humanos ocorridas na região de Ribeirão Preto (313 km de São Paulo) na época do regime militar (1964-1985).
Para identificar outras histórias, sejam de ex-resistentes ou ex-militares, um grupo de historiadores e universitários montou, em Franca (400 km de São Paulo), um coletivo político que promete investigar casos desconhecidos da região.
A missão do Coletivo Político "Áurea Moretti" não é fazer um trabalho "inquisitório", mas de documentação dos casos, disse um dos membros do grupo, o professor de história Pedro Russo.
A ideia, de acordo com ele, é produzir um livro com as informações levantadas.
O foco será regional e o trabalho respeitará a vontade das pessoas de falar sobre o assunto, afirmou. "Tem gente que quer esquecer o assunto, que a família nem sabe".
Outro objetivo do coletivo é ajudar a Comissão da Verdade com dados e até auxiliar ex-perseguidos políticos que eventualmente não tenham sido anistiados a obter o pedido de perdão do Estado.
IMPARCIAL
Para o historiador e professor da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) Marco Antonio Villa, iniciativas como a do grupo organizado em Franca são positivas, mas precisam ter imparcialidade.
"O equilíbrio é fundamental. Tem de ouvir todos que queiram falar, não pode fazer julgamentos e, obviamente, tem de dar divulgação a tudo que for levantado", afirmou.
Ainda segundo ele, iniciativas regionais de invetigar o período são "um dedo na ferida", porque "muitas pessoas se valeram de qualquer pequeno poder que tinham para perseguir adversários [que não necessariamente tinha ligações com guerrilheiros]".
(ARARIPE CASTILHO)
31/10/2009
6 – Desculpem meus leitores, mas essa coluna é de desabafo, mesmo. Tentarei ser mais ameno na próxima. Nesta semana, documentos do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) foram encontrados em Jaborandi, na região de Ribeirão Preto. Referiam-se a estudantes perseguidos pela Polícia Civil, a mando do comando militar. Estavam na fazendo do ex-delegado da Polícia Civil e ex-diretor do Dops Tácito Pinheiro Machado. Eles usavam propriedades rurais no interior (assim como na Capital) para torturar jovens estudantes que achavam ser subversivos. Não sei se esse delegado está vivo ou morto, homem que manchou o nome dos verdadeiros Delegados de Polícia com quem convivo e admiro.
7 – Ma há mais. Em Ribeirão Preto, havia também um delegado de nome Renato, chefão regional, especializado em tortura. Tão especializado que torturou uma freira católica, porque ela recolheu ao convento um jovem fugitivo da ditadura. Esse delegado foi a única pessoa do mundo que, pelo que sei, foi excomungado pela Igreja Católica. Tive o desprazer de conhecê-lo, em Taquaritinga, numa festa. Também não sei se está vivo ou morto. O sadismo era tanto que o capeta ajuda a prolongar a vida deles, para recolhê-los depois. Desabafei, depois de 40 anos.
23/10/2009
Manual de subversão e fichas sobre estudantes vigiados são recuperados. Historiadora do Arquivo do Estado afirma que fazenda pertenceu a ex-delegado e ex-diretor do Dops Tácito Machado
Documentos que pertenceram ao Dops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social), órgão que funcionou entre 1924 e 1983, foram encontrados em uma casa abandonada da fazenda Boa Sorte em Jaborandi, na região de Ribeirão Preto.
Segundo a historiadora Rafaela Leuchtenberg, diretora técnica do Fundo Dops do Arquivo Público do Estado de São Paulo, a fazenda pertenceu ao ex-delegado da Polícia Civil e ex-diretor do Dops Tácito Pinheiro Machado.
A descoberta foi feita em 2007, por um colhedor de cana-de-açúcar da fazenda, que também é estudante de história da Faculdades Integradas Fafibe, de Bebedouro. Porém, os documentos, que incluem fichas de estudantes, correspondências e placas de homenagem a ele, foram resgatados por técnicos do Arquivo Público do Estado de SP, a quem está delegada a guarda dos itens, em 25 de agosto deste ano.
Na casa abandonada, também foi encontrado o manual da Secretaria de Estado da Segurança Pública "A Subversão e a Contra-Subversão", de 1970, que ensinava policiais a identificar os subversivos.
De acordo com Leuchtenberg, até a apreensão, feita com o auxílio da PF (Polícia Federal), o Arquivo do Estado não tinha em seu acervo fichários da delegacia de ordem política. Ao todo, são 86 fichas, grande parte delas de estudantes que eram vigiados pelo Dops. "Temos fichas da delegacia de ordem social e do serviço secreto. Nós sabíamos que elas [ordem política] existiam, mas não tínhamos essas fichas."
Segundo o relatório técnico de análise dos itens encontrados na fazenda, todos os materiais analisados "apresentam excesso de sujidades, manchas, abrasões e bordas quebradiças causadas por incidência direta de luminosidade, guarda e manuseio incorreto".
Ainda assim, segundo informações do centro de preservação do Arquivo do Estado, é possível, a partir de técnicas de reconstituição dos documentos, conter infestações de fungos e resgatar informações.
Luiz Manoel Gomes Júnior, assessor jurídico da Fafibe, disse que os documentos ficaram durante os dois anos na instituição de ensino. "Desde o início, nós sabíamos que não poderíamos ficar com os documentos, mas ninguém tinha informação sobre para quem deveríamos entregá-lo", afirmou Gomes Júnior.
Segundo ele, foram feitas consultas informais ao Ministério da Justiça, responsável pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos. Depois disso, o Ministério Público Federal foi acionado e determinou a apreensão dos papéis. O material resgatado só poderá ser manuseado para pesquisas após a conclusão do tratamento técnico pelo centro de preservação.
Chácaras em SP foram usadas como locais de interrogatório
Casas e chácaras espalhadas pelo Estado foram utilizadas pelos aparelhos repressores como locais de interrogatórios e torturas clandestinas. Por isso, de acordo com o jornalista Ivan Seixas, diretor do Fórum dos Ex-presos e Perseguidos Políticos de São Paulo, não é impossível que a fazenda em Jaborandi tenha funcionado com essa função.
Para Seixas, a descoberta dos documentos é importante, inclusive, porque pode contribuir na busca de informações sobre desaparecidos políticos. As fichas ainda não foram pesquisadas com detalhes, nem expostas ao público, porque passam por tratamento técnico.
"É a prova maior de que os documentos não foram destruídos. Eles estão com os caras. Eles levam para casa, escondem, mas mantém vivos para em qualquer oportunidade usar novamente contra a gente", disse Seixas.
Sobre o delegado, que ele conheceu no Dops, Seixas afirma: "ele sabia tudo o que acontecia lá dentro. Mas não se tem registro de que ele fosse um torturador muito saliente". Seixas foi preso aos 16 anos junto com o pai, o mecânico Joaquim Alencar de Seixas, na década de 1970 -Joaquim foi morto sob tortura dois dias depois da prisão.
VERIDIANA RIBEIRO - Folha de S. Paulo - 23 de outubro de 2009
Documentação inédita foi localizada por um estudante em um sítio abandonado.
São Paulo, 14 de outubro de 2009 — Técnicos do Arquivo Público do Estado de São Paulo, em ação conjunta com a Polícia Federal, participaram, no último dia 25 de agosto, da apreensão de documentos do DOPS encontrados em uma fazenda no município de Jaborandi, no interior de São Paulo. O ex-proprietário do local era um antigo delegado da Polícia Civil.
A descoberta aconteceu em 2007, quando um aluno do curso de História e colhedor de cana localizou a documentação em um casebre abandonado na Fazenda “Boa Sorte”, em Jaborandi. Percebendo a importância do que tinha em mãos, o estudante levou os documentos à direção das Faculdades Integradas FAFIBE, que os manteve guardados até o seu recolhimento pelo Arquivo Público do Estado, órgão responsável pela guarda de toda documentação do DEOPS no estado de São Paulo.
A equipe do Arquivo Público foi acompanhada por dois agentes da Polícia Federal e também estiveram no local onde a documentação foi encontrada. Constataram que a casa abandonada havia sido reformada e que estava sendo habitada por um casal de trabalhadores da Fazenda, que declarou nada saber sobre o assunto.
Ao todo, foram recolhidas três caixas de arquivos. Entre outros documentos, as caixas apresentavam 86 fichas da Delegacia de Ordem Política, que não constavam no acervo DEOPS do Arquivo Público do Estado. Também foram encontradas placas de metal em homenagem ao delegado e o manual A Subversão e a Contra-Subversão, de 1970. A documentação passa por tratamento técnico na instituição para ser disponibilizada ao público em breve. “A descoberta destas fichas e do manual vão ajudar a entender a lógica da perseguição política na época”, explica Carlos de Almeida Prado Bacellar, coordenador do Arquivo Público do Estado de São Paulo.
O estado de São Paulo mantém os registros do DEOPS abertos para consulta pública desde o início da década de 90, mediante a assinatura de um termo de responsabilidade pelo pesquisador. Trata-se de um dos maiores acervos do gênero no país, com 150 mil prontuários, 1,1 milhão de fichas com dossiês, 120 mil fichas de Ordem Política e 115 mil fichas de Ordem Social.
Memórias Reveladas
O Arquivo Público do Estado de São Paulo é uma das instituições participantes do “Memórias Reveladas” – Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil (1964-1985) que, recentemente, lançou uma campanha publicitária em TVs, rádios, jornais, revistas e na internet a fim de obter novas informações sobre desaparecidos políticos na ditadura militar. Com filmetes, fotos e cartazes, espera-se estimular a sociedade a fazer doações de documentos ou divulgar informações que auxiliem na localização dos mortos e desaparecidos da ditadura militar.
Sobre o Arquivo Público do Estado de São Paulo
O Arquivo Público do Estado de São Paulo é um dos maiores arquivos públicos brasileiros. Sua função é formular uma política estadual de arquivos e recolher, tratar e disponibilizar ao público toda documentação de caráter histórico produzido pelo Poder Executivo Paulista. A instituição mantém sob sua guarda aproximadamente 6 mil metros lineares de documentação textual permanente, 17 mil metros de documentação intermediária, 900m de material iconográfico, grande quantidade de jornais e revistas e uma biblioteca de apoio à pesquisa com 45 mil volumes.
www.arquivoestado.sp.gov.br
Atenciosamente,
Verônica Cristo / Patrícia Carvalho
Núcleo de Comunicação do Arquivo Público do Estado de São Paulo
(11) 2221-4785 ramal 2024
FONTES: Blog do IZB | Arquivo Público do Estado de São Paulo
19/10/2009
Delegado deixou fichas e manual intitulado ‘A Subversão e a Contra-Subversão’
Uma descoberta recente pode mudar os rumos das pesquisas sobre ditadura militar em São Paulo. Um total de 86 fichas de militantes de esquerda e um manual da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, de 1970, que ensinava policiais a identificá-los, foram encontrados em uma fazenda na região de Jaborandi. O detalhe é que o material se diferencia do que está sob a guarda do Arquivo Público de São Paulo, que pertencia ao Departamento de Ordem Política e Social (Deops).
Ele estava numa casa abandonada na propriedade rural do delegado Tácito Pinheiro Machado, já morto. Segundo o coordenador do arquivo, Carlos Bacellar, as fichas têm um padrão incomum. "As que temos aqui são da Delegacia de Ordem Social e as dele da de Ordem Política", explicou. Como o Deops tinha uma sede em São Paulo, mas não havia delegacias espalhadas pelo Estado, a suposição é que o documento sobre os militantes era guardado, também em delegacias de polícia comuns.
Parte das fichas foi encontrada em 2007 por um aluno do curso de história e colhedor de cana, não identificado, que localizou a documentação no casebre, na Fazenda Boa Sorte. O material foi guardado em uma faculdade e recolhido pelo arquivo. ?O encontro da documentação parece indicar, como denunciam ONGs que lutam pela abertura dos arquivos da ditadura, que boa parte do material das forças de repressão no período foi dispersa entre seus agentes e somente uma pequena parte ficou nos arquivos que foram abertos com a redemocratização.
Os fichados são pessoas pouco conhecidas, mas identificados por tendências "suspeitas" para a época como o nome que remete a revolucionários, caso de Lenine Garcia Brandão. ?No manual de 1970, intitulado ‘A Subversão e a Contra-Subversão’, assinado pelo coronel de Exército Danilo Cunha e Mello, há uma curiosidade: o pacifismo é visto como "linha auxiliar do bolchevismo." (Moacir Assunção, SÃO PAULO – O Estado de S. Paulo)
21/08/2012
No esforço para restaurar verdade sobre anos de chumbo, documentário aborda luta estudantil no Crusp e guerrilha efêmera em Riberirão Preto
Em meio ao início dos trabalhos da Comissão da Verdade, a filmografia nacional sobre a ditadura militar está prestes a ganhar nova contribuição. Dirigido por Marco Escrivão, o documentário Memórias da Resistência vai trazer a história de ex-presos políticos que participaram da resistência ao regime ditatorial que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985. A expectativa de lançamento é para o fim do ano.
“O objetivo principal desse trabalho é justamente manter bem viva a memória sobre esse momento histórico do país e evitar que ele se repita algum dia”, diz Escrivão.
Na origem do documentário, um fato bastante curioso. Em 2007, uma pilha de documentos antigos foi encontrada por trabalhadores rurais em uma casa abandonada no meio de um canavial no município de Jaborandi, interior de São Paulo. Um dos trabalhadores, que também era estudante de História, reconheceu de imediato a relevância histórica dos documentos. Tratava-se de material do DOPS (Delegacia de Ordem Política e Social), um dos principais organismos de repressão política da Ditadura.
“Posteriormente, o Cleiton, estudante de História, voltou à casa abandonada no canavial juntamente com um professor de sua faculdade e eles recolheram todos os documentos que estavam espalhados por lá. Tudo foi digitalizado e entregue ao Arquivo Público do estado”, relembra Escrivão. Descobriu-se depois que a casa era de Tacito Pinheiro Machado, um ex-delegado do DOPS.
Os documentos foram analisados por membros do Instituto Práxis de Educação e Cultura, baseado em Franca-SP. Entre eles, estava Tito Bellini, o professor de história que coletou os documentos em primeira mão, e que decidiu encabeçar o projeto para a realização de um documentário.
“O Tito inscreveu um projeto para um edital de Mídias Livres do Ministério da Cultura em 2010. Em 2011 o projeto foi aceito, e o Minc liberou 100 mil reais pra que fizéssemos, além do documentário, seis boletins informativos, um livro e o site.”
A pilha encontrada no canavial trazia fichas de presos políticos, envelopes de correspondências, relatórios, e até um “Manual de Subversão e Contra-subversão”. A maior parte das fichas dizia respeito a dois IPMs (Inquérito Policial Militar) em particular.
O primeiro é o IPM 114/69, que tratava da atuação das Forças Armadas da Libertação Nacional (FALN), guerrilha criada em meados de 1967 por dissidentes do PCB (Partido Comunista Brasileiro) e que teve uma breve atuação na região de Ribeirão Preto-SP, até ser desmantelada por agentes do regime.
O outro inquérito é o IPM-CRUSP, que tratava da resistência política na moradia estudantil dos alunos da USP (Universidade de São Paulo), outro grande pólo de militantes contrários à Ditadura.
São essas duas histórias que o documentário vai contar.
“Entrevistamos no total doze ex-presos políticos, ao longo de cinco meses. Eles contaram sobre a atuação na resistência, o idealismo que compartilhavam, as torturas que sofreram”, fala Escrivão.
Perguntado sobre como se sentiu diante das histórias contadas, sobretudo dos relatos de torturas, Escrivão respondeu confiante.
“De fato, a história mexeu um pouco comigo e até aconteceu de ter pesadelos em algumas noites. Mas tenho em mente que trabalhar nesse documentário, de certa forma, é continuar a luta que essas pessoas travaram no passado, cumprindo um outro papel, o de resgate histórico. E é esse sentimento, por exemplo, que me fez enfrentar 13 horas de ônibus só para participar da primeira audiência pública da Comissão da Verdade [ocorrida no dia 30 de agosto], onde pude divulgar o documentário”.
O site do projeto é www.memoriasdaresistencia.org.br. Lá também é possível ler os boletins informativos e ver um teaser do documentário.
JR Penteado
