O Instituto Práxis de Educação e Cultura (IPRA) da cidade de Franca, interior de São Paulo, com patrocínio do Ministério da Cultura através do Edital de Pontos de Mídias Livres, realiza desde 2011, o projeto “Memórias da Resistência” com o objetivo de dar visibilidade a documentos inéditos sobre o Regime Militar do Brasil resgatando a memória do Golpe de 64 e dos anos que lhe sucederam marcados pelo cerceamento das liberdades individuais e pela violência material e simbólica contra a sociedade brasileira.
O “Memórias da Resistência” está produzindo um vídeo sobre as histórias presentes nos documentos que, em 2007, foram encontrados, no interior de São Paulo, em uma casa abandonada no meio de um canavial. Os documentos pertenciam ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e compreendem, entre outros, 110 fichas de perseguidos políticos e um Manual de Subversão e Contra-subversão.
O vídeo contará algumas das histórias que estavam esquecidas em meio aos documentos, a exemplo do processo 114/69 relacionado às Forças Armadas de Libertação Nacional de Ribeirão Preto-SP e da invasão policial ao Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo (Crusp), em 1968. A partir do material encontrado, de pesquisas em arquivos públicos e de entrevistas com pessoas que viveram o Golpe de 64, o filme constrói um riquíssimo e emocionante panorama histórico do Regime Militar brasileiro.
Além do vídeo, o “Memórias da Resistência” mantém portal na Internet para fomentar as discussões sobre a importância do resgate da memória nacional, sobretudo no que se refere à ditadura militar; publica boletins bimestrais sobre o trabalho de realização do filme; e lançará um livro que também pretende trazer detalhes ainda desconhecidos sobre o regime ditatorial.
A história dos documentos
2007. Jaborandi, interior de São Paulo. Cleiton Oliveira, ex-cortador de cana e então estudante de História nas Faculdades Integradas de Bebedouro-SP (Fafibe), encontra em uma casa abandonada, no meio de um canavial, documentos que pareciam ser relacionados à ditadura militar do Brasil.
Intrigado, Oliveira mostrou sua descoberta a um de seus professores, Tito Bellini, coordenador do Instituto Práxis de Educação e Cultura (IPRA) de Franca-SP. Ao constatar a importância histórica do material, Bellini fez uma trabalhosa digitalização e entregou ao Arquivo Público do Estado de São Paulo que, após análise, atestou o caráter inédito dos documentos.
Até então, o órgão possuía mais de 150 mil fichas pertencentes apenas ao Departamento de Ordem Social (DOS), já as novas informações são referentes ao Departamento de Ordem Política (DOP), do DOPS. Ao todo são 110 fichas de perseguidos políticos, além de envelopes, processos da corregedoria da Polícia Civil, panfletos de movimentos estudantis e um Manual de Subversão e Contra-subversão. O montante digitalizado atinge cerca de 1.200 arquivos.
Hoje, sabe-se que o canavial onde o material foi encontrado fazia parte de uma fazenda que pertenceu a um antigo delegado do DOPS o que confirma a prática de ocultação de documentos por parte dos poderosos ligados à ditadura militar.
Lançamento
Depois de mais de 20 entrevistas, num total de 22 horas de gravação, e intensa pesquisa histórica, o documentário “Memórias da Resistência” está em fase de edição e tem seu lançamento previsto para abril de 2013.
23/10/2009
Manual de subversão e fichas sobre estudantes vigiados são recuperados. Historiadora do Arquivo do Estado afirma que fazenda pertenceu a ex-delegado e ex-diretor do Dops Tácito Machado
Documentos que pertenceram ao Dops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social), órgão que funcionou entre 1924 e 1983, foram encontrados em uma casa abandonada da fazenda Boa Sorte em Jaborandi, na região de Ribeirão Preto.
Segundo a historiadora Rafaela Leuchtenberg, diretora técnica do Fundo Dops do Arquivo Público do Estado de São Paulo, a fazenda pertenceu ao ex-delegado da Polícia Civil e ex-diretor do Dops Tácito Pinheiro Machado.
A descoberta foi feita em 2007, por um colhedor de cana-de-açúcar da fazenda, que também é estudante de história da Faculdades Integradas Fafibe, de Bebedouro. Porém, os documentos, que incluem fichas de estudantes, correspondências e placas de homenagem a ele, foram resgatados por técnicos do Arquivo Público do Estado de SP, a quem está delegada a guarda dos itens, em 25 de agosto deste ano.
Na casa abandonada, também foi encontrado o manual da Secretaria de Estado da Segurança Pública "A Subversão e a Contra-Subversão", de 1970, que ensinava policiais a identificar os subversivos.
De acordo com Leuchtenberg, até a apreensão, feita com o auxílio da PF (Polícia Federal), o Arquivo do Estado não tinha em seu acervo fichários da delegacia de ordem política. Ao todo, são 86 fichas, grande parte delas de estudantes que eram vigiados pelo Dops. "Temos fichas da delegacia de ordem social e do serviço secreto. Nós sabíamos que elas [ordem política] existiam, mas não tínhamos essas fichas."
Segundo o relatório técnico de análise dos itens encontrados na fazenda, todos os materiais analisados "apresentam excesso de sujidades, manchas, abrasões e bordas quebradiças causadas por incidência direta de luminosidade, guarda e manuseio incorreto".
Ainda assim, segundo informações do centro de preservação do Arquivo do Estado, é possível, a partir de técnicas de reconstituição dos documentos, conter infestações de fungos e resgatar informações.
Luiz Manoel Gomes Júnior, assessor jurídico da Fafibe, disse que os documentos ficaram durante os dois anos na instituição de ensino. "Desde o início, nós sabíamos que não poderíamos ficar com os documentos, mas ninguém tinha informação sobre para quem deveríamos entregá-lo", afirmou Gomes Júnior.
Segundo ele, foram feitas consultas informais ao Ministério da Justiça, responsável pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos. Depois disso, o Ministério Público Federal foi acionado e determinou a apreensão dos papéis. O material resgatado só poderá ser manuseado para pesquisas após a conclusão do tratamento técnico pelo centro de preservação.
Chácaras em SP foram usadas como locais de interrogatório
Casas e chácaras espalhadas pelo Estado foram utilizadas pelos aparelhos repressores como locais de interrogatórios e torturas clandestinas. Por isso, de acordo com o jornalista Ivan Seixas, diretor do Fórum dos Ex-presos e Perseguidos Políticos de São Paulo, não é impossível que a fazenda em Jaborandi tenha funcionado com essa função.
Para Seixas, a descoberta dos documentos é importante, inclusive, porque pode contribuir na busca de informações sobre desaparecidos políticos. As fichas ainda não foram pesquisadas com detalhes, nem expostas ao público, porque passam por tratamento técnico.
"É a prova maior de que os documentos não foram destruídos. Eles estão com os caras. Eles levam para casa, escondem, mas mantém vivos para em qualquer oportunidade usar novamente contra a gente", disse Seixas.
Sobre o delegado, que ele conheceu no Dops, Seixas afirma: "ele sabia tudo o que acontecia lá dentro. Mas não se tem registro de que ele fosse um torturador muito saliente". Seixas foi preso aos 16 anos junto com o pai, o mecânico Joaquim Alencar de Seixas, na década de 1970 -Joaquim foi morto sob tortura dois dias depois da prisão.
VERIDIANA RIBEIRO - Folha de S. Paulo - 23 de outubro de 2009
